Pessoas Inesquecíveis


Fernando Pascoal das Neves (Pavão)
Um dos mais talentosos jogadores de sempre da história portista e do futebol português, Fernando Pascoal das Neves, popularizado como Pavão, morreu em campo, no dia 16 de Dezembro de 1973, em jogo com o Vitória de Setúbal. O número 13 foi fatídico para a maior estrela, nessa época, do F.C.Porto. Morreu na jornada 13, ao minuto 13. Tombou de repente e aquele momento abalou companheiros, adversários e o imenso público que assistia ao encontro, no Estádio das Antas.
O seu trágico desaparecimento, vítima de uma hemorragia cerebral (segundo relatório médico), chocou o país. Pavão era um jovem (de 26 anos), com qualidades futebolísticas extraordinárias e o futebol nacional muito esperava dele.
Tinha sido um dos preferidos de Pedroto, quando o começou a treinar, em 1967, nas Antas.
Natural de Chaves, onde nasceu em 12 de Julho de 1947. Pavão foi descoberto por António Feliciano (uma das "Torres de Belém", elemento nuclear, no seu tempo, na defesa do Belenenses, e treinador com um jeito especial para orientar jovens - tarefa que durante muitos anos desempenhou no F.C.Porto, onde, amiúde, foi solicitado para orientar a equipa principal, após "chicotadas psicológicas").



José Maria Pedroto


"Largos dias têm 100 anos"

Num dia de Janeiro de 1976, numa roda de amigos portistas e boavisteiros, no Café Orfeu, replicando a uma piada sbre mais um desaire o F.C.Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, que tinha ouvido e calado "as provocações", conclui silêncio surpreendente ao pronunicar, simplesmente: "Largos dias têm 100 anos".
... E nos dias seguintes partiu para a acção. Convenceu Américo de Sá, presidente azul e branco, a contratar José Maria Pedroto, sobre quem tinha impendido a proibição de voltar a ser treinador do F.C.Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa também este nessa acção de demover os associados portistas de uma decisão que só beneficiava os adversários. Afinal, após a saída das Antas Pedroto tinha revolucionado o Vitoria de Setúbal, transformando-o, futebolisticamente, num dos melhores de Portugal com direito a vénias europeias, e estava a contribuir para o crescimento do Boavista, através da melhoria de infra-estruturas, de condições gerais e específicas de trabalho e - em consequência disso - da obtenção de êxitos, que antes de ter chegado ao Bessa, só se tinha imaginado ao alcance do F.C.Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa não aceitava que essa situação de perda e subalternização do F.C.Porto continuasse e recusava uma ideia repetidamente expressa por Valentim Loureiro: "Comigo no Boavista, o Pedroto nunca sairá".

Secretamente, em 26 de Janeiro...

Aquela noite de piadas no Orfeu esgotara-lhe a paciência. No mesmo mês de 1976, em 26 de Janeiro, Pinto da Costa tinha o seu amigo Pedroto a assinar contrato para, na época seguinte, regressar ao F.C.Porto. Em sua casa (próxima da do "Zé do Boné" e do Estádio das Antas), foi redigido o contrato (por Alfredo Clemente, vice-presidente portista) e rubricado por Pedroto. Que tinha colocado uma condição a Pinto da Costa no momento em que fora convidado: "Aceito, mas só se você for o director". Américo de Sá não hesitou em incluir Pinto da Costa na lista que candidatou às eleições em 1976, mantendo junto de si (entre outros), os únicos dirigentes que sabiam da actuação junto de Pedroto: Alfredo Clemente e Alfredo Basto (vice-presidente tesoureiro).






Pedroto a assinar o contrato


Sempre líder

Com Pedroto, o F.C.Porto, ganhou mais três edições da Taça de Portugal (foi finalista em mais três) e dois campeonatos nacionais. Com Pedroto - e já com Pinto da Costa como presidente da Direcção - o F.C.Porto foi preparado para ter dimensão europeia. Com Pedroto, fez-se um director de futebol e nasceu um presidente de Direcção. Seja vista porque ângulo for, a história gloriosa do F.C.Porto pós-25 de Abril tem de colocar em plano de grande destaque a acção inconfundível de José Maria Pedroto, carinhosamente tratado por "Zé do Boné" e elogiosamente referido como "O Mestre". Pedroto, homem de rara inteligência. Pedroto, já como jogador, era um líder, mesmo que não fosse "capitão" da equipa, como foi em muitas circunstâncias. Pedroto-jogador liderava nos clubes que representava e na Selecção nacional, de tal modo, teve influência não só sobre o comportamento táctico da equipa, mas, também, no ânimo dos companheiros, no desânimo dos adversários e no respeito por parte dos árbitros.


O Mestre
 Inovador e... campeão europeu de juniores

 O Pedroto-treinador começou por baixo - como se costumava dizer: ensinando os mais jovens. Mas, mais uma vez, não restringiu a sua intervenção a formar futebolistas - dando-lhes uma bola para jogar, ensinamentos sobre o jogo, incultando-lhes disciplina individual e colectiva, orgulho e auto estima. Pedroto foi mais longe - como era próprio da sua natureza de homem ambicioso. Criou, no F.C.Porto - onde poderia ser? - um lar para jovens futebolistas, acarinhou-os, formou-os, lançou-os na chamada alta roda do futebol.



Cuidado com a "A Bíblia"

Dispor de boas condições de trabalho - das melhores condições de trabalho que em cada ano fosse possível reunir - foi sempre o mais importante para Pedroto. Por isso se importava com os mais (aparentemente) irrelevantes aspectos, como (para muitos eram considerados) as referências em "A Bola" aos jogos efectuados pelo F.C.Porto, às actuações dos jogadores e, até, às notas que lhes eram atribuídas pelos jornalistas d' "A Bíblia", como durante muitos anos foi conhecido o jornal da Travessa da Queimada. Cuidado com "A Bíblia" - era um dos mandamentos do Mestre.
Estratega sólido - inteligente e astuto

Pedroto não deixava nada ao acaso e tinha argumentos para tudo. Mente prodigiosa, intuição profunda felina. Cheirava o perigo e antecipava-o. Reflectia, como Gary Hamel que "a estratégia é emocional e exigente: não é um ritual ou um exercício que se faz uma vez por ano"; que "a estratégia é, acima de tudo, a busca de retornos acima da média"; e que, como defende Michael Porter: "o pensamento estratégico raramente ocorre espontaneamente". Por isso, Pedroto (que era homem de largas e profundas leituras, cidadão estruturado social, cultural e politicamente) acabou por revelar-se intérprete exímio e, principalmente, bem sucedido do pensamento segundo o qual o "método do estratega é muito simplesmente de desafiar os pressupostos dominantes com uma única pergunta: porquê? E colocar a mesma questão incansavelmente aos responsáveis pela forma actual de fazer as coisas até que eles se fartem dela".

Pedroto e Artur Jorge: "O Mestre" e "O Discípulo"
Uns foram feiticeiros, magos; outros, simplesmente, souberam passar alguns conceitos apreendidos na prática. Pedroto nunca quis ficar pela espuma das coisas, por mais radiosa e cheirosa que a espuma fosse. Autocrítico, foi capaz de se colocar a si próprio em causa para o desempenho de funções de treino, reflectindo sobre os conhecimentos que outros poderiam trazer ao grupo de trabalho por si liderado e criando as primeiras equipas técnicas que houve no futebol português. Mas, também, novamente Pedroto foi mais longe: compreendeu que o seu futuro estaria não no campo a orientar o treino ou a dirigir a equipa na competição, mas numa acção envolvente, como "manager", à maneira inglesa - como um Sir Alex Ferguson do Manchester United. O cancro não o deixou concretizar esse objectivo, que, em 1980, procurou materializar no F.C.Porto. O ser discípulo Artur Jorge (um dos campeões europeus de juniores) esteve contratado, mas o "Verão Quente" portista adiou uma relação de trabalho que se concretizaria em Guimarães e da qual ficou um pensamento de Pedroto para o seu amigo Pinto da Costa: "Artur Jorge é quem reúne melhores condições para me suceder". Apesar da grande amizade pelo seu adjunto, António Morais, "O Mestre" sabia separar, com inteligência e argúcia, a amizade com profissão. Prezava ambas como poucos, mas procurava não as confundir. Afinal, ele era um líder.

Espinha dorsal, ossinho da graça e ossinho da sorte

Em Pedroto, o instinto de liderança com que nasceu era a espinha dorsal. O ossinho da graça e o ossinho da sorte vieram depois. Naturalmente. E o duro, intransigente, determinado, ambicioso, obstinado, obsessivo (por vitórias) treinador do F.C.Porto conseguiu, como líder, criar uma visão envolvente, traduzi-la em acção e mantê-la. Fazendo escola e prática de vida para o seu amigo Jorge Nuno Pinto da Costa, que, desde a histórica noite do Orfeu, nunca mais deixou de pensar que "largos dias têm 100 anos" e nesses largos dias de um século (ou mais, como é o caso do F.C.Porto) muito há sempre a fazer e a conquistar.


O desaparecimento de José Maria Pedroto emocionou os portistas, os protugueses e o país. Pelo Pavilhão Afonso Pinto de Magalhães, onde o seu corpo esteve em câmara ardente, passaram milhares e milhares de pessoas. No percurso, das Antas a Agramonte, dezenas de milhar de cidadãos anónimos e muitos altos responsáveis dos mais variados sectores de actividade do país seguiram o cortejo fúnebre. Pedroto morreu, depois de muito sofrer, em 7 de Janeiro de 1985. Ainda assistiu (pela televisão) à concretização de um sonho: a presença da sua equipa na final da Taça dos Vencedores de Taças, em Basileia. Faltou, para a realização do sonho ser total, a vitória (merecida) frente à Juventus. Ainda pôde saber do triunfo do seu discípulo Artur Jorge como treinador. Nesse ano em que O Mestre foi repousar no mausoléu portista, o F.C.Porto voltou a ser campeão nacional.

A cidade do Porto acompanhou Pedroto na sua última viagem
 O que Pedroto gostaria de ter visto era os Dragões que então nasceram e se multiplicaram por Portugal e o Mundo. Mas um homem como ele, com dons de eternidade, não pensa nisso.

Os restos mortais de Pedroto repousam no mausoléu do F.C.Porto no Cemitério de Agramonte